Friday, November 23, 2007

"Tudo vale a pena quando a alma é revolucionária"
Parafraseando Fernando Pessoa, conforme escreví no e-mail de hoje ao Horácio Martins de Carvalho.
Maciel, Pelotas, 24 de novembro de 2007
Texto 21: NAVARRO, Z. O MST e a canonização da ação coletiva (resposta a Horácio Martins Carvalho). In: SANTOS, B. de S. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 263-280.

Em seu texto, alcunhado por “tréplica” (sic), o autor acusa o MST de se utilizar de uma “firmeza ideológica” e retórica de seus dirigentes para encobrir as fragilidades da “organização”. Retoma os dois diferentes tipos de estudos existentes sobre o assunto, a saber: 1) os norteados pelo “encantamento ingênuo”, com uma idealização clara do objeto de estudo e uma “positividade” a priori e valorizando o saber popular; 2) o segundo grupo, chamado de “dogmatismo passadista”, de base marxista ortodoxa, “pontificam o vigor econômico da atividade agropecuária e emprestam importância social e política a atores e classes (...) enfraquecidas”. Navegam no “pântano do marxismo vulgar”.
Lamenta o fato de Carvalho não ter explicitado sua bagagem teórica na questão agrária, se colocando estritamente como interlocutor da organização. A seguir, Navarro levanta seis questões que integram essa controvérsia: três gerais e três relacionados à “organização”, a seguir:
1) O “Projeto Estratégico”: ao colocar o socialismo como estratégia, estariam seus dirigentes sob viseiras mistificadoras na análise do mundo rural;
2) O desenvolvimento agrário e sua interpretação
3) As políticas públicas e a deslegitimação do Estado:
4) O controle social sobre os assentados
5) Alianças e relações com outras organizações
6) Por que não apostar na democracia?
Texto 20: CARVALHO, H. M. de. A emancipação do movimento no movimento de emancipação social continuada (resposta a Zander Navarro). In: Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002 pp.233-260

Carvalho recupera a história do MST desde a sua fundação, em 1984, Cascavel, PR, no I Encontro Nacional e faz uma avaliação do significado desses 16 anos de lutas, que culminou com o IV Congresso Nacional, em agosto de 2000, em Brasília. Nessa avaliação, realça a renovação enquanto movimento social de massa, que vem obrigando as classes dominantes a repensarem o papel das classes subalternas no campo.
O autor valoriza o “jeito de ser e fazer” do MST. Cita os inimigos históricos do Movimento, a saber: a) a aliança histórica das classes dominantes com o empresariado; b) os governos federal e estaduais, através da manipulação de políticas públicas e meios de comunicação de massa contra os interesses das classes subalternas; c) as forças para-militares; d) as agências multilaterais de desenvolvimento (BIRD e BID) e os paradigmas do FMI; e) amplos setores da intelectualidade de centro-esquerda que, pelo desencanto pessoal ou pela cooptação pela classe dominante aderiram à ideologia de considerar os pequenos produtores rurais familiares simplesmente como setor de produção, sem perspectiva histórica e cita diferentes apoios nacionais e internacionais existentes em relação ao MST. Para concluir este bloco, o autor considera a importância do rompimento com a tutela da igreja e de outras forças sócias.
A seguir, passa a descrever o que considera os “segredos íntimos” do MST. Para iniciar, mostra o processo dialético existente no processo de emancipação social, seja no nível pessoal, grupal ou social, que está em movimento e se fazendo, portanto, é sempre incompleto. Como um caleidoscópio, cada mudança no contexto social vai forjando novas formas de relações de tutela e emancipações sociais se dão sob novas formas. Contrariamente às afirmativas de Navarro, Horácio afirma que os movimentos de massas, em suas ações diretas, não demandam mediações formais de representação de interesses e que o MST é um exemplo dessa emancipação social moldando uma nova identidade social dos trabalhadores rurais sem terra. Que as ações diretas, a pedagogia própria, a formação de militantes, a forma de governo (coordenação) nos assentamentos, as místicas e os valores construídos na luta redefinem as relações entre estado e sem-terras. Além disso, o MST já surge com a necessidade de emancipar-se das tutelas da igreja católica e dos sindicatos que ajudaram em sua organização inicial, sem a perda da solidariedade e cooperação. Internamente o Movimento deveria superar o centralismo burocrático.
Quanto aos princípios de organização estabelecidos no I Encontro Nacional de 1984, estes já apontavam para o caráter de massa, a saber: a direção coletiva, a divisão de tarefas, a disciplina, o estudo, a formação de quadros, a luta de massa e a vinculação com a base. Além disso, no processo de movimento, foi incorporado como princípio fundamental a ocupação de terras como forma de luta direta. Somando-se à autonomia do Movimento e à característica de sociedade organizada em rede. Estes princípios são o que o autor considera como os “segredos íntimos a serem desvendados” para que se possa conhecer o MST.
Apresenta sete valores enfatizados na luta, a saber: solidariedade, beleza, valorização da vida, gosto pelos símbolos, gosto de ser povo, defesa do trabalho e do estudo e, por fim, a capacidade de indignar-se. E, em função da práxis do Movimento dez lições são enfatizados: que a militância faz-se pela prática, pela experiência, pela ciência, pela cultura, pela disciplina, pelo exemplo, pela convivência e a partilha, pelo espírito de sacrifício, pelo trabalho produtivo e pela crítica e auto-crítica.
No tópico “Buscando outros caminhos” ele afirma que o “MST percebido como um movimento social de massa, não foi gradativamente se transformando em uma organização social de massa, mas sim foi adquirindo um caráter similar ao de uma sociedade em rede (...)”. E que a questão central na compreensão do MST é menos a razão, e sim o movimento de emancipação social (...). Daí a busca da auto-consciência, auto-determinação e da auto-realização.
Apresenta como hipótese que o MST tem mais uma feição de rede do que de uma organização social de massa. E conclui afirmando que “(...) o socialismo, e os valores que intrinsecamente pressupõe, já não mais assustam ou desmobilizam amplas parcelas das classes subalternas no campo, hoje identificadas socialmente como sem-terra”.
Texto 19: NAVARRO, Z. “Mobilização sem emancipação” – as lutas sociais dos sem-terra no Brasil. In: Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002 pp.189-232
Zander, após uma breve discussão sobre as últimas três décadas, distingue três tipos de estudos sobre os Sem Terra: 1) “os que se confundem com a literatura apologética da organização” 2) “estudos acadêmicos centrados em ambientes restritos” e, 3) “que buscam uma análise interpretando à luz dos processos sociopolíticos mais amplos”, estes, mais escassos. Como resultado, o autor considera que este conhecimento ainda é “inadequado e parcial”. Para situar, faz advertências iniciais: 1) que trata-se de uma “organização”, 2) que o campo de processos sociais analisados aponta para o MST e 3) que as evidências empíricas analisadas voltam-se para o Sul do Brasil. Por fim (4), que a noção de emancipação adotada (não a de Habermas), foi utilizada numa dimensão política. Descreve o que seria a autonomia e conclui que o MST, como organização política, atua “como freio à emancipação dos mais pobres do campo”.
A seguir, resume a história do MST entre 80 e o 2000. No primeiro ciclo de protestos, pós 1950, surgem as Ligas Camponesas e o movimento sindical rural, exterminados pelo Golpe de 64. O MST surge no segundo ciclo, com a re-emergência dos movimentos populares, do final da década de 70, a partir do crescimento da violência contra os trabalhadores rurais e pela modernização e desenvolvimento rural capitalista em curso. A fundação da CUT agrega o movimento sindical rural e demais movimentos populares. Na região sul, novos movimentos sociais se organizaram em função da: 1) liberação política nesse período, 2) as mudanças estruturais na economia agrária e da crise do modelo de modernização; 3) os impactos sociais dessas mudanças conjugado com a ação dos setores progressistas da igreja católica (CPT).
Considera que o MST teve uma capacidade de reinventar-se politicamente, frente aos demais movimentos sociais, com o agravante da dificuldade em manter a sua base, os “mais pobres entre os pobres do campo”, o “lumpesinato”. Que seu objetivo é “tentar pressionar socialmente para alterar um padrão de propriedade da terra historicamente consolidado”. Destaca três momentos históricos: 1) anos formativos no RS e SC (1980) e o Congresso de Cascavel em 84, com o lema “Terra para quem nela trabalha”; 2) Entre 86 e 93 com um movimento de confrontação, com o lema “ocupar, resistir e produzir”. Passa a ser um “movimento de quadros” e não “de massas”. 3) Em 1994, período de ocupação do Pontal do Paranapanema e preocupação com a imagem e com a produção. O MST passa a ser o interlocutor junto ao Estado sobre as questões da Reforma Agrária, com o lema: “Reforma Agrária: uma luta de todos”.
Reflete sobre o surgimento de novas lideranças fora do eixo sulista e os possíveis conflitos internos. Situa a formação de jovens como sendo estritamente para manter a disciplina, a motivação e a coesão entre os militantes intermediários. Segue analisando a política editorial do jornal do Movimento, de caráter leninista, como sendo “instrumento de agitação de massas”. Não vê novidade em termos da opção produtiva o que pode determinar apenas uma sobrevida temporária para as famílias assentadas. Constata uma nova fase caracterizada por “ações criminalisadoras” provocando o afastamento de velhas parcerias, como a cúpula da igreja. Critica também a luta por questões meramente políticas como os OGM,, ALCA etc.
Zander destaca algumas virtudes do MST, como por exemplo: 1) a manutenção da questão da reforma agrária na cena política; 2) a formação de um grande número de assentamentos; 3) a democratização da política em pequenos municípios. Como dificuldades: a) a formação de um “ciclo virtuoso” na direção da “organização”, b) a falta de um processo de responsabilização de ações, c) a face não democrática do MST que exerce o controle social sobre as famílias com rígidos métodos estabelecidos pelos dirigentes, além da “homogeneização forçada”. Outro aspecto citado é a “deslegitimação” do Estado, d) a não participação em formas de desenvolvimento rural como alternativas na geração de renda (sic).
Como conclusão, afirma que o MST perdeu a novidade e repete a “melancólica” trajetória de outros agrupamentos da esquerda. Mostra: a desconfiança de seus participantes, os impasses produtivos, a disputa política pela hegemonia na organização, desprezo pelas práticas sociais democráticas e a reiteração do controle social e das formas de mando. Que a repercussão do prêmio na Bélgica tornou-se pouco eficaz na difusão da questão agrária. Que as demais lutas (OMC, ALCA e OGMs) parecem como “contraglobalização”, de natureza emancipatória.
Texto 18: DELGADO, G. C.; CARDOSO JR., J. C. Universalização de direitos sociais no Brasil: a previdência rural nos anos 90.

Os autores analisaram a pesquisa realizada no Sul e no Nordeste brasileiro, destinada a avaliar os impactos socioeconômicos da Previdência Rural. Instrumento que tem o papel de redistribuição de renda para o segmento ligado às atividades rurais e historicamente excluídos das conquistas sociais do Brasil. Segundo a pesquisa, as famílias que recebem essa política de seguro-previdenciário, estão em média 16% acima da renda das famílias que não têm acesso a esse benefício, o que significa manter 85% das famílias pesquisadas no Sul e 62% no Nordeste acima da condição de pobreza.
Os autores analisam sob a luz dos efeitos da crise da década de 90 e seus impactos na agricultura familiar, as novas concepções do mundo rural e do desenvolvimento agrícola no País. Com a introdução do princípio do acesso universal de idosos e inválidos à previdência na Constituição de 88, se forma um setor rural informal e o surgimento de um novo espaço rural, o setor dos aposentados e pensionistas rurais.
Apresentam dados previdenciários do período de 91 a 98 e concluem que em termos de renda domiciliar é significativo o fato das famílias possuírem a previdência. Partem, a partir daí para um debate teórico sobre o “Novo Rural”. Para tanto, delimitam três vertentes: 1) a reconceituação do setor à luz dos aspectos demográficos e socioeconômicos da ruralidade; 2) as novas funções no processo de desenvolvimento rural; 3) o enfoque no território e na pluriatividade como “novas” dimensões do rural.
Para a compreensão dessa problemática do “Novo Rural”, eles partem de duas questões importantes nessa discussão: 1) o peso significativo deda existência de um “setor de subsistência” na economia agrária brasileira e, 2) o desempenho estagnado do sistema agroindustrial na década de 90 em comparação aos sistemas americano e europeu protegidos por enormes subsídios. Fazem uma pergunta baseada na tese de que existe algo mais importante em termos de contribuição à renda e à subsistência de famílias rurais pobre no Brasil, que seria a inclusão dessas famílias no setor previdenciário, a saber: o Seguro Social seria uma renda compensatória ou este sistema estaria afetando profundamente as condições de reprodução da economia familiar? Poderia estar ocorrendo a transformação da economia de subsistência em economia familiar produtiva e excedente? Para responder a essas questões eles sustentam que está ocorrendo uma conversão do seguro-previdenciário para um seguro-agrícola. Ou seja, que esse recurso injetado na economia familiar tem impacto sobre a produção agrícola do setor familiar, criando condições para uma “reprodução ampliada” dessa economia familiar. E concluem:
1) que o setor rural se transformou rapidamente após a década de 90;
2) que a pesquisa encontrou evidências empíricas sobre a reconfiguração de um setor rural ampliado, com um núcleo de aposentados e pensionistas rurais, demograficamente significantes;
3) que esse núcleo de aposentados tece relações importantes com a economia familiar rural;
4) que esse núcleo se contrapõe a duas tendências excludentes: a herança do setor de subsistência e a ampliação conjuntural desse setor a partir da liberalização comercial e estagnação da década de 90;
5) que o conhecimento efetivo da dimensão desse núcleo social e de suas estratégias de reprodução alerta-nos para uma nova configuração da economia rural, convergentes com o “novo rural”;
6) a superação da dicotomia rural-urbano, sem cair na visão de continuum geográfico e ocupacional;
7) a prevalência de pluriatividade e de fontes múltiplas de rendimentos familiares, além de renda agropecuária estrito senso;
8) a emergência do trabalho individual, vis a vis uma certa minimização do mercado de trabalho rural;
9) destacar a herança histórica de um enorme setor de subsistência no “mundo rural”;
10) a estagnação da década de 90 e as tendências à desativação produtiva e queda da renda agrícola;
11) o papel protagônico da política social como antídoto à miséria reinante no meio rural brasileiro;
Para finalizar, valorizam o papel dos movimentos sociais na conquista de direitos mínimos na política social e agrária do Brasil na década de 90.
Texto 17: BELIK, W.; PAULILLO, L. F. O financiamento da produção agrícola brasileira na década de 90: ajustamento e seletividade.

Os autores analisaram a política de crédito rural nos anos 80 e 90, mostrando que, de início, ocorreram distorções nas políticas fundiárias e sociais, devidas à utilização discriminatória dessa linha de crédito. Que aconteceu nos anos 80 um esvaziamento da capacidade de financiamento do Estado e que, em função da escassez de recursos e a retirada dos subsídios, as condições de crédito se tornaram difíceis, ocorrendo um processo de financiamento privado com recursos oriundos da indústria, de trading companies e outros agentes. Com isso, aconteceu o fenômeno da “governança privada”, ou seja, financiamentos sem a interferência do Estado e motivados apenas pela auto-organização dos agentes creditícios.
Fazem um retrospecto do crédito rural desde os anos 30, porém, se concentrando no período pós 64, quando se efetivou o modelo da modernização no Brasil, o que foi acompanhado pela constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Esse sistema estava ancorado em fartos recursos e taxas de juros subsidiadas, política que perdurou até o fim dos anos 70, tendo o poder público como disciplinador. No período seguinte, até meados dos anos 80, ocorreu o fenômeno da auto-regulação, motivada por uma política econômica Keynesiana, que se propunha a controlar o mercado e conter a hiperinflação. Com isso, somente os setores mais organizados como o complexo agroindustrial conseguiram aporte de financiamentos e, em conseqüência, o crescimento.
A partir da metade dos anos 80, o crédito rural se manteve apenas como política compensatória e pontual para certos segmentos da agricultura. Mesmo assim, o setor industrial de frangos, cana e suco de laranja cresceu em volume de suas exportações. Nos anos 90, a perda do poder de regulação do Estado se intensificou, ocorrendo a abertura da economia para o mercado externo e a queda de barreiras deslocando a prioridade da agricultura. Os autores analisam as relações entre o crédito e a renda para os principais produtos agrícolas e concluem que apenas alguns segmentos foram beneficiados nesse período (soja, algodão, milho, suco de laranja), muito mais por conta de financiamentos não dependentes do Estado, o que prova a completa subordinação da agricultura no sistema econômico, perda de poder dos sindicatos e associações rurais e a conseqüente transferência desse poder para grupos econômicos não-agrários (interferência extraorganizacional). Surgem bancos ligados às indústrias de máquinas agrícolas como a John Deere e a New Holland que passaram a controlar até mesmo o Finame ligado ao BNDES. Concluem a análise apontando três perdas: 1) de representação de interesses; 2) da aglutinação de agentes nas organizações; 3) dos recursos econômicos. Para explicar esses processos dão o exemplo da cadeia do café na relação com o mercado futuro.
Belik e Paulillo interpretam as formas de financiamento agrícola em vigor a partir dos anos 90, e que foram direcionados exclusivamente para os setores mais modernos e “eficientes” do agronegócio brasileiro, muitos deles ligados aos principais corredores de exportação. Explicam como funcionavam a Cédula do Produtor Rural, que na prática era um “mercado a termo” e a pressão para a sua transformação em “mercados futuro”, com poder de transformar uma commodity em ativo financeiro.
A partir de uma descrição detalhada sobre o funcionamento do mercado agrícola, os autores apresentam o Contrato de Investimento Coletivo (CIC), criado em 1998, mistura de crédito de investimento e de comercialização, papeis estes, controlados pela Comissão de Valores Mobiliários, que nada tinha há ver com o setor agrícola. Em 1999 se cria os Pregões Eletrônicos aproximando compradores e vendedores que possuíam acesso à informação pela internet.
Como conclusão do trabalho, os autores analisam os resultados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Marketing Rural, onde fica evidenciada a utilização de crédito próprio entre 84% dos produtores rurais no período de 1998 e 1999, em contraposição à pesquisa de 1991/92 onde 37% dos produtores tinham acesso ao crédito. Ou seja, o crédito oficial foi perdendo terreno para outras fontes de financiamento de origem privada. Fica evidenciada a articulação dos segmentos agrícolas com outros segmentos à jusante do processo produtivo, ou seja, nos mercados e sub-setores das cadeias agroindustriais. Fica clara a separação da agricultura empresarial e a de base familiar, esta, amparada apenas pelos mecanismos de sustentação de caráter social, e que essa distância só tende a aumentar no futuro.
Texto 16: SCHNEIDER,S. A pluriatividade como estratégia de reprodução social da agricultura familiar no Sul do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura. n. 16, abril, p.164-184, 2001.

O autor, comparando duas realidades locais, uma em Braço do Sul, em Santa Catarina e outra em Padre Eterno Ilges, no Rio Grande do Sul, partindo do contexto das unidades familiares de produção, “examina as relações da agricultura familiar com a emergência e consolidação das atividades não-agrícolas no espaço rural e a formação de unidades produtivas (...) identificadas com a pluriatividade das famílias rurais”.
Cita que nessas regiões as famílias rurais não desempenham mais exclusivamente atividades agrícolas, uma vez que aumentam suas receitas domésticas a partir de trabalhos externos à propriedade. Atribui às Unidades de Produção à diversificação das atividades e que vários de seus membros (familiares) exercem outras atividades, algumas, em tempo parcial.
Schneider apresenta uma discussão sobre quem definiria a pluriatividade como forma de garantir a reprodução social, se seria uma estratégia individual ou se seria um recurso ao qual a família faz uso. E busca a definição para pluriatividade como sendo “uma estratégia de reprodução social, da qual se utilizam as unidades agrícolas que operam fundamentalmente com base no trabalho da família, em contextos onde sua integração à divisão social do trabalho não decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, mediante o recurso às atividades não agrícolas e a articulação com o mercado de trabalho”.
Utilizando várias técnicas da investigação social, dentre elas a aplicação de questionário estruturado, tipo survey, o pesquisador obteve em sua amostra final 60 famílias, sendo 37 pluriativas e 23 de agricultores (23 do RS e 37 de SC). Aplicou ainda entrevistas semi-estruturadas junto a lideranças e pessoas de referência nas comunidades estudadas.
Realiza uma revisão de literatura buscando referenciar a agricultura familiar sob a ótica da pluriatividade. Parte da “Sociologia da Agricultura” de Buttel e Newby, Larson e Gillespie Jr e afirma a proximidade teórica com Marsden e Fuller.
Para Marsden, a pluriatividade está relacionada com o recuo do padrão fordista na agricultura e que as novas funções do espaço rural se vinculam ao consumo de bens materiais e simbólicos (propriedades, festas, folclore, gastronomia, etc.) e serviços (ecoturismo, atividades ligadas à preservação ambiental, etc.), propondo um novo conceito-chave para essa nova configuração, a saber, a commoditization, mostrando que a pluriatividade tende a se generalizar.
Para Fuller, ligado à corrente teórica difusa e eclética, concorda que a pluriatividade esteja ligada aos mecanismos utilizados pelas famílias na relação com o mercado de trabalho e concorda com a idéia de que se pode explicar a pluriatividade a partir da dinâmica interna das unidades familiares e, ao mesmo tempo, de sua relação com o ambiente externo (diversificação).
A partir dessa teoria, o autor busca fixar uma unidade de observação, optando pela família rural como unidade de referência para o trabalho. Família entendida como grupo social que compartilha o mesmo espaço e possui em comum a propriedade de um pedaço de terra.
Na tabela 3 o autor engloba matas naturais e reflorestamentos o que, para mim, são coisas bem diferentes uma vez que os plantios arbóreos conferem renda direta (de médio e longo prazos) e elevada, o que foi desconsiderado na composição da renda. Por fim, que a atividade florestal deveria ser considerada como atividade agrícola
Após apresentar e discutir a pluriatividade nas duas situações previamente definidas, Schneider conclui que a pluriatividade se constitui como estratégia da família rural de ambas as regiões; que os membros das famílias pluriativas são bem mais jovens que os das famílias de agricultores; que as famílias pluriativas são mais numerosas, portanto com mais idade ativa para trabalhar. Destaca que para os pluriativos o trabalho fora da propriedade se constitui na melhor forma de se ganhar dinheiro e que é fundamental para a manutenção da propriedade e reprodução do grupo doméstico. Por fim, que cada unidade familiar reage de modo distinto a esse conjunto de atividades e que as estratégias adotadas pelas famílias podem se modificar no tempo e pelas circunstâncias a serem enfrentadas em seus contextos.
Texto 15: CARNEIRO, M. J. Pluriatividade da agricultura no Brasil: uma reflexão crítica. In: SCNEIDER, S. (Coord.). A diversidade da agricultura familiar. Série Estudos Rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p.165-185.

A autora inicia seu trabalho discutindo a pluriatividade sob dois aspectos (fenômenos): o primeiro, que enxerga a pluriatividade no aumento das atividades não agrícolas e conformação de novas identidades sociais no meio rural e o segundo, que vê a raiz da pluriatividade na crise de reprodução da agricultura de base familiar. Na seqüência, situa ainda duas vertentes na análise do contexto onde se produz a pluriatividade, a saber: 1) na mudança do perfil sócio-econômico no campo em função da diversificação, o que poderia se traduzir no “transbordamento do urbano sobre o rural” e relacionado com a introdução de novas alternativas de trabalho, o que para alguns autores seria o “Novo Rural Brasileiro”. 2) que as práticas não são estranhas às dinâmicas de reprodução social das famílias agrícolas, portanto, um fenômeno não transitório e nem conjuntural.
Cita Schneider que atribui a pluriatividade a existência de determinados contextos, onde a articulação das famílias com o mercado se daria através de atividades não-agrícolas ou para-agrícolas e não mais pela produção. Logo, a pluriatividade seria uma função exógena às famílias. Por fim, este autor define que a pluriatividade se manifestaria “naquelas situações em que a integração da agricultura familiar aos mercados alcança um novo estágio ou se dá por uma via distinta que é do mercado de trabalho”.
Apresenta a tese de Neves, próxima a de Schneider, em que a pluriatividade não é fenômeno recente, mas que sua atual expansão dependeria de contextos específicos. Esta autora encaminha a proposta de se proceder à dissociação da análise da unidade familiar e da unidade de produção com ênfase ao projeto familiar nas suas estratégias de integração social. Carneiro complementa essa idéia trazendo a sugestão de se integrar ao projeto familiar as decisões individuais, estas, por sua vez, podem ou não ser coerentes com o projeto familiar.
A autora conclui essa revisão teórica com um questionamento: “a pluriatividade designa ou não uma mudança na lógica da reprodução social das famílias agrícolas?” E sugere: “que deve-se ater a determinados contextos socioeconômicos nos quais a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas por famílias agrícolas corresponda à dinâmica do que poderíamos denominar genericamente e de forma provisória, de ‘ruralidade contemporânea’”.
Analisa o modo produtivista da agricultura familiar encontrado no sul do Brasil e sugere que esse modo, por protagonizar a modernização da agricultura, poderia ser considerado como o “verdadeiro agricultor”. Que essa forma de ver a agricultura familiar forjou as políticas públicas, o Pronaf, em sua forma inicial. Apresenta ainda o debate da década de 70 com a categoria de colono-operário, no sul do Brasil, o que foi determinar que a pluriatividade fosse fruto da intensificação da exploração da força de trabalho na agricultura. Na Europa com a dupla-atividade e com o operário-camponês, o pluriativo pode corresponder à manutenção de um ideal de autonomia. Analisa outras formas de situações sociais em diferentes regiões do Brasil.
Por fim, a autora realizando uma reflexão sobre o conceito da pluriatividade da agricultura, conclui: “a multifuncionalidade incorpora a noção de pluriatividade se considerarmos que as múltiplas funções da agricultura para a sociedade podem se traduzir em atividades exercidas pó diferentes membros das famílias de agricultores que não estão diretamente associados à produção de alimentos para o mercado”. “A pluriatividade pode ser considerada uma dimensão da multifuncionalidade e que ambas são fenômenos recentes engendrados pelas novas configurações das relações campo-cidade e das novas articulações entre agricultura e sociedade”.
Texto 14: RADOMSKY, G. F. W. Reciprocidade, redes sociais e desenvolvimento rural. In: SCNEIDER, S. (Coord.). A diversidade da agricultura familiar. Série Estudos Rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p.104-133.

O autor relata neste artigo uma pesquisa realizada, no município de Veranópolis, RS, e que teve como motivação a forma histórica de desenvolvimento social e econômico desse município e a maneira como determinantes não econômicos exerceram influência na esfera produtiva. Busca nos laços de parentesco, amizade ou vizinhança a forma de entender o processo de desenvolvimento local, ou seja, descobrir se a forma de reprodução social e desenvolvimento econômico aconteciam a partir de mecanismos de integração (proximidade, conhecimento mútuo, amizade, vizinhança, parentesco, etc.). Dessa forma, o objetivo central da pesquisa era “analisar de que maneira as relações de reciprocidade, parentesco e proximidade são fundamentais para a constituição de redes sociais (no meio rural), e que podem vir a se tornar recursos basilares para o desenvolvimento e para a regulação das ações nos contextos sociais”.
Radomsky estuda duas redes de produtores distintos instituídas na região: as redes de vinícolas e a rede de produtores ecológicos. Como metodologia, foram utilizados métodos qualitativos de análise, através de entrevistas semi-estruturadas, intercaladas com técnicas de observação. Foram ouvidos vinte informantes que compuseram uma amostra não-aleatória que representou diferentes grupos e posições sociais nessa sociedade. As entrevistas foram analisadas com o auxílio do software NUD*IST.
Como forma de entender as interações sociais e atitudes dos indivíduos envolvidos o autor lançou mão da noção de “dádiva” presente na obra de Marcel Mauss. Este, sob um olhar antropológico, verifica que em diferentes sociedades existem mecanismos “reguladores de atos que prescrevem atitudes generosas para com seus membros”. (Para Mauss, a rocha elementar das sociedades, em todos os tempos históricos, é a capacidade de desenvolver trocas. Essas podem ser materiais ou simbólicas, sempre considerando a distribuição e a circulação desse elemento). Os atos de “dar, receber e retribuir” fazem parte de uma totalidade de relações nas quais os seres humanos estão envolvidos. “Sob essas relações, são estruturadas as obrigações recíprocas contraídas pelos sujeitos e as formas de solidariedade”.
A partir da teoria de Mauss, Radomsky complementa com as abordagens mais recentes de Píerre Bourdieu e de Alain Caillé. O primeiro, “introduz a questão do poder no seio da dádiva, complexificando e enriquecendo a análise das trocas”. Já Caillé entende que “nos atos da dádiva nunca há nem pode haver a certeza da retribuição, ela é obrigação e liberdade ao mesmo tempo” e que é possível a existência da “dimensão de gratuidade”. Retoma a dimensão ética da reciprocidade e a forma como ela estrutura relações de confiança. Insere nessa discussão teórica as idéias de Karl Polanyi, economista que incorporou elementos da antropologia em suas análises, para agregar como princípios econômicos a reciprocidade, redistribuição e o intercâmbio. Para este autor, considerando-se um sistema capitalista, como considerar esses elementos submersos nas relações sociais se o capitalismo já “faz a conversão para um sistema autoregulado pelo mercado?” Para sair dessa enrascada, o autor usou o pensamento de Bagnasco e Triglia que afirmam que “os mercados assumem formas particulares em formações sociais específicas”.
Como síntese teórica, o autor afirma que “a reciprocidade pode-se firmar como o fundamento para a consolidação das redes que se projetam num território que vêm a permitir articular os processos de desenvolvimento rural”.
Após a apresentação do funcionamento e análises das duas redes em questão o autor encerra seu trabalho concluindo que na zona rural de Veranópolis “geram-se inúmeras estratégias de diversificação de rendas e inserção econômica para as famílias”, apoiadas nas redes de relações sociais. Que os atores sociais conseguem preservar as relações de reciprocidades e da dádiva mesmo submetidos às relações mercantilistas capitalistas. Que as redes dinamizam o mercado de trabalho ampliando a possibilidade do surgimento da “pluriatividade”. Que essas redes ampliam os vínculos políticos, as associações nas comunidades rurais, as cooperativas e as demais ações coletivas. Daí, elas expressarem a pluralidade de empreender esforços para o desenvolvimento rural. Por fim, que a existência dessas redes possibilita que o desenvolvimento rural se dê de forma articulada e que possa se inscrever em uma marca territorial.
Texto 13: ANJOS, F S dos; ESTRADA, E. M. Nuevas formas de cooperación econômica em la agricultura familiar brasileña. In: Revista Española de Estúdios Agrosociales y Pesqueros, n.191, 2001 pp.137-163.

Os autores se propõem a estudar o caso do cooperativismo no estado de Santa Catarina, região sul do Brasil e a emergência dos “Condomínios Agrários” como uma nova forma de cooperação econômica surgida nos anos 80, junto aos suinocultores do oeste catarinense, com o objetivo de contribuir na reprodução social e econômica das explorações agrárias de tipo familiar.
Analisam o contexto cooperativista surgido com o processo de modernização da agricultura brasileira iniciada por volta dos anos 70, com a chamada Revolução Verde e amparado pelos sucessivos Planos de Desenvolvimento Econômico produzidos a partir do golpe militar ocorrido em 1964. Esse processo de desenvolvimento estava ancorado no desenvolvimento da agricultura exportadora e produziu um desenvolvimento desigual que alguns autores denominaram de “modernização conservadora” (ou dolorosa), uma vez que não tocou na forte estrutura agrária concentrada em latifúndios.
Atentam para a concordância entre os autores no sentido da existência de um caráter seletivo no cooperativismo iniciado naquele período, ao privilegiar um grupo reduzido de produtores rurais, via crédito, subsídios e outros mecanismos em detrimento da maioria dos agricultores de base familiar.
Partem da apresentação dos primeiros modelos de cooperativismo adotado no início do século XX no Brasil, as casas rurais tipo Reiffeisen, cópia da experiência européia e analisam as dificuldade que esse tipo de organização apresentou, em especial: inexperiência administrativa, fragilidade da economia brasileira, corrupção, principalmente, a campanha de descrédito forjada pelo empresariado da época.
Já na modernização do período do milagre brasileiro o aparelho cooperativista re-surge com o objetivo de alavancar o capital no campo, canalisar o sistema estatal de crédito, contribuir na difusão e adoção de insumos industriais (fertilizantes e agroquímicos) e favorecer a concentração da terra. Esse cooperativismo tomou o lugar do sindicalismo rural extinto com o golpe militar e assumiu o desenvolvimento do modelo capitalista no campo, em especial, com as grandes lavouras de soja e trigo.
A partir dos anos 80, com a abertura democrática e o re-aparelhamento do movimento sindical e partidário o modelo cooperativista passou por profundas revisões, dando lugar a preocupações com a modernização ecológica e equidade social nos processos agrários e de desenvolvimento rural.
Os autores apresentam os “Condomínios Agrários” que surgiram em Santa Catarina e analisam o contexto de sua formulação, descrevendo a importância da suinocultura e da avicultura, atividades de grande importância econômica e social por envolver pequenas e médias propriedades rurais em sua dinâmica. Os condomínios surgiram em meados dos anos 80, junto aos suinocultores do oeste catarinense em função das dificuldades existentes nas relações de integração dos agricultores de base familiar com os complexos agroindustriais. Fruto da ação do Serviço Estadual de Extensão Rural que, buscando alternativas que diminuíssem os problemas da exclusão social e econômica existente na integração, construíram um modelo de relacionamento associativo onde os suinocultores puderam, com esses condomínios, reduzir custos e criar condições de produção mais eficientes. Basicamente, o modelo de associação reúne não mais que 12 sócios que, democraticamente, organizam, definem estratégias, e põem em comum algumas fases da produção trazendo vantagens econômicas, sociais e tecnológicas.
Esse modelo, que no primeiro momento causou certa preocupação por parte das indústrias integradoras, mostrou-se eficiente e trouxe vantagens num melhor funcionamento da cadeia produtiva.
Os autores fazem um paralelo desse modelo dos Condomínios com certas estruturas existentes no modelo Chayanoviano. Segundo as preocupações desse economista soviético que dirigiu a “Escola da Organização Camponesa” por volta da década de 20, as técnicas agronômicas, a extensão rural e a organização camponesa deveriam impulsionar a agricultura de base familiar no circuito capitalista, contrariamente às teses leninistas que apontavam para uma desintegração dessa forma de organização.
Como conclusões Sacco dos Anjos e Estrada destacam a importância dos “Condomínios Agrários” como uma forma de associação de produtores rurais de base familiar que produziu uma melhor adaptação às exigências do desenvolvimento capitalista sem que houvesse, no entanto, uma decomposição ou perda de singularidade em suas formas de organização. Que esse modelo está mostrando sua potencialidade em novos âmbitos do desenvolvimento rural como nos assentamentos rurais, inclusive apontando para a pluriatividade, uma vez que possibilita a diversificação das atividades produtivas e melhor integração com os complexos agroindustriais neutralizando os efeitos perversos dessa integração vertical.
Texto 12: MEDEIROS, L.S. Trabalhadores rurais, agricultura familiar e organização sindical. São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE, v, n.2, abr-jun, 136 p., 1997. p. 65-72.

A autora procura relacionar o sindicalismo rural e a “agricultura familiar” procurando verificar em que contexto a adoção do novo termo se constituiu e que novas questões na representação e estrutura sindical ele vem trazendo para os debates, além do tratamento político dado à nova categoria em três momentos de sua constituição: a) campesinato, b) trabalhadores rurais e c) agricultura familiar
Faz um retrospecto onde mostra o não lugar da produção familiar em toda a história do Brasil. De início, o poder se localizava nas mãos da monocultura agro-exportadora (café e cana). Nos anos 30 do século XX , com Getúlio Vargas se iniciou o processo de sindicalização dos trabalhadores. Porém, todo o processo centrado na organização de grandes e médios produtores, que tinham na Sociedade Brasileira de Agricultura e Sociedade Rural Brasileira a relação com o Estado. A ação do Partido Comunista Brasileiro, a partir dos anos 30, refletia uma visão Leninista, dessa forma encarava a organização no nível dos trabalhadores assalariados rurais como forma de atrelá-los à luta dos trabalhadores industriais urbanos. Já nos anos 50, a organização camponesa no nordeste começa pelas Ligas Camponesas com o intuito de fazer frente a questão das taxas de foro e a conseqüente expulsão de trabalhadores rurais das terras dos engenhos. Essa luta foi um dos pilares da luta pela reforma agrária com a finalidade de atender as massas exploradas.
Com o Golpe Militar em 64, a Constituição previu apenas duas categorias essenciais: grandes e pequenos produtores rurais que eram representados pela estrutura sindical Sindicatos de trabalhadores Rurais e Sindicatos Rurais, este, patronal. Como essa estrutura não especificava os pequenos proprietários havia uma grande disputa entre os sindicatos. O Estatuto da Terra previa um modelo de desenvolvimento baseado na empresa rural o que apontava para a concentração de terras e empoderamento dos grandes capitais em detrimento da expropriação de pequenos produtores.
Construía-se uma ideologia do “atraso”, sendo o minifúndio uma característica apenas residual no processo político e econômico. A Confederação dos Trabalhadores, a CONTAG, encaminhava suas questões do ponto de vista da organização dos assalariados rurais e pela reforma agrária. A questão da produção ficou restrita aos colonos do sul do Brasil. A CONTAG lutava contra a divisão das categorias rurais como forma de deter o poder No II Congresso, em 1979, as reivindicações se localizavam mais nas sucessivas reduções nos módulos rurais feitas pelo INCRA, como forma de tirar o poder dos pequenos e centralizar nos sindicatos patronais. No IV Congresso, em 1985, as questões foram relacionadas com o enquadramento dos agricultores envolvidos na economia familiar como “trabalhador rural”. Nesse período a Contag passa a ter mais avanços nas lutas com os assalariados e muita dificuldade na organização pela reforma agrária, dando espaço para o surgimento de movimentos sociais específicos pela organização e ocupação de terras sem a ligação com o movimento sindical rural.
Os anos 80 foram marcados por grandes mobilizações de produtores rurais com organização para a produção, cooperação e associativismos. A discussão na CUT era se caberia aos sindicatos a organização e implementação da produção? De qualquer forma, o movimento dos pequenos produtores caminhava nessa direção. Nos anos 90 surge, em função de um aprofundamento acadêmico e com a participação de estudos da FAO, a categoria agricultura familiar recobrindo uma diversidade de identidades e favorecendo a relação com outras categorias, como pescadores artesanais, extrativistas etc. Surge uma nova categoria, os “Sem Terra” por conta da organização do MST e de outras organizações de luta pela terra. Dessa forma, a reforma agrária sai do âmbito da Contag. Com isso, uma fratura no movimento sindical rural: MST, os assalariados como os organizados pela Feraesp, em São Paulo e, por fim, a Fetraesc, que depois se organiza e passa a ser a Fetraf, organizando os produtores rurais de base familiar.
Conclusão: Citado Offe, a autora mostra que as organizações de interesses são, do ponto de vista das políticas públicas, um problema a ser equacionado pelo Estado pela ambigüidade que possuem: são antifuncionais, porém são indispensáveis, pois detêm o controle de seus membros. Que o acesso ao Estado é condição para o reconhecimento dos trabalhadores. Que esse é o espaço da agricultura familiar, não um bloco homogênio, mas uma forma diferenciada e complexa.
Texto 11: WANDERLEY, M.N.B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: TEDESCO, J.C. (Org.). Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo: EDIUPF, 394 p, 1999. p. 23-56.
Para a autora, a agricultura familiar não é uma categoria social recente. Diz que o artigo tem como eixo a hipótese de que: a) a A. F. é um conceito genérico; b) ao campesinato corresponde uma dessas formas particulares da A.F.; c) a A. F. que se reproduz nas sociedades modernas deve adaptar-se a um contexto socioeconômico próprio dessas sociedades; d) essas transformações do chamado agricultor familiar moderno, no entanto, não produzem uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores, gestando, antes, um agricultor portador de uma tradição camponesa; e) o campesinato brasileiro tem características particulares em relação ao conceito clássico de camponês.
Para Wanderley a agricultura familiar deve ser entendida como aquela em que é proprietária dos meios de produção e assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Além disso, é genérica pois a combinação entre propriedade e trabalho assume, no tempo e no espaço, uma grande diversidade de formas sociais. Para explicar o campesinato tradicional, a autora lança mão das idéias de Mendras que identifica cinco traços característicos das sociedades camponesas: 1) autonomia face à sociedade global; 2) importância estrutural dos grupos domésticos; 3) sistema econômico de autarquia relativa; 4) uma sociedade de interconhecimentos; e, por fim, 5) a função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a sociedade global. Da conjugação do caráter de subsistência e do caráter de reprodução resultam suas características essenciais: a especificidade de seu sistema e a centralidade da constituição do patrimônio familiar.
A autora exemplifica o sistema de policultura-pecuária, mais uma vez cita Mendras para quem o sistema tradicional de produção camponês se caracteriza pela diversidade de produtos e a integração do sistema como forma de se buscar a segurança contra intempéries e desigualdades. Para Jollivet, “o caráter familiar (...) decorre de uma adequação às próprias condições tradicionais da produção agrícola”. Para Gervais, “(...) o individualismo, de que tanto se acusou o camponês, era uma necessidades técnica”. Cita ainda as posições de Tepicht sobre as forças produtivas não transferíveis e a existência de um tempo de não-trabalho, o que vai justificar a pluriatividade e a contratação de trabalhadores alugados na unidade familiar. No que diz respeito ao horizonte temporal das relações, Nazareth reflete sobre o projeto para o futuro (gerações futuras) em detrimento da sobrevivência no presente e ao enfrentar o presente e preparar o futuro o agricultor recorre ao passado (o saber tradicional). No tópico “As sociedades de interconhecimento e a autonomia relativa das sociedades rurais”, a autora afirma que a agricultura camponesa tradicional é inserida em um território (lugar de vida) e uma sociedade de interconhecimento. Porém, que sua autonomia é relativa. No item “Agricultura camponesa, agricultura de subsistência e pequena agricultura: o que dizem os conceitos”, ela afirma que a agricultura camponesa não se identifica simplesmente como de “subsistência”, nem que a pluriatividade e o trabalho externo representa, necessariamente, a sua desagregação. Que a terminologia “pequena produção” está relacionada com poucos recursos e restrições para potencializar suas forças produtivas.
Nazareth descreve as formas de agricultura familiar nas sociedades modernas, citando Eric Wolf “(...) meio caminho entre a tribo primitiva e a sociedade industrial”. Propõe uma reflexão sobre o campesinato que permaneceu, as formas modernas de agricultura familiar e a herança do passado. Descreve o campesinato no Brasil recuperando a história da agricultura brasileira, a dominação econômica, social e política da grande propriedade; a marca da escravidão e a existência de fronteiras de terras livres ou passíveis de serem ocupadas pela simples ocupação e posse e conclui que foi historicamente um setor bloqueado. Apresenta as fragilidades do sistema de produção que, segundo ela, uma precariedade estrutural, incapaz de desenvolver todas as suas potencialidades. Descreve o estabelecimento agrícola como um lugar de trabalho de família e os riscos do trabalho alugado para terceiros ou contratação de empregados e descreve a necessidade da busca por terras para a família
Concluindo, a autora, no processo de constituição do campesinato, considerou que o acesso à terra no Brasil foi doloroso e restrito, do que resultaram, para a historiografia analisada, as características principais do campesinato brasileiro em sua origem: a pobreza, o isolamento e a produção, esta, centrada na subsistência mínima e a extrema mobilidade espacial.
Texto 10: LAMARCHE, H. A agricultura familiar: comparação internacional – uma realidade multiforme. Coleção Repertórios Campinas: Ed. UNICAMP, 1993, 336 p. p. 13-33.

A pesquisa de Lamarche discute a agricultura familiar em diferentes contextos e diferentes sistemas sociopolíticos, mostrando a existência de diferentes formas ou diversidades. Em alguns lugares ela aparece como: como ponta-de-lança do desenvolvimento; em outros, arcaica e de subsistência; aparece ainda como a única forma social de produção; e, em outros, é excluída do processo de desenvolvimento e até eliminada.
O autor inicia buscando a definição da exploração familiar como conceito de análise. Para tanto, inicialmente, ele conceitualiza como: “(...) uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”.
Parte para discutir sobre a ambigüidade da noção de exploração familiar. Mendras já escreveu sobre o fim do Camponês na França. O Camponês desapareceu, mas a agricultura familiar não. De qualquer forma, ele se define por: 1) inter-relações entre organização da produção e consumo; 2) trabalho familiar sem lucro; 3) objetivos de produzir valor de uso para os seus produtos. Para Mendras, cinco características: 1) autonomia; 2) importância estrutural do grupo doméstico; 3) sistema econômico de autarquia relativa; 4) sociedade de inter-relacionamentos; 5) função decisiva das personalidades de prestígio.
Na Tunísia, o modelo familiar tem origem no tipo Colonial com produção mercantil. Tanto no Sul do Brasil como em Quebec, no Canadá, o modelo foi baseado num tipo de colonização ocidental. O modelo camponês aparece como o fundamento da sociedade agrária. O autor analisa ainda os modelos: “original”; “ideal”; “empreendimento familiar”; simplesmente “familiar”; “subsistência” e, por fim, “empreendimento agrícola”. Qualquer que seja a exploração familiar ela vai se definir pelo seu modelo de funcionamento e pela classe social existente no interior do modelo agrícola. Daí a importância da tipologia.
O autor monta um esquema onde o eixo principal se define pelo grau de integração na economia de mercado, tendo de um lado, o Modelo Original (nem sempre camponês) e de outro, o Modelo Ideal (projetado para o futuro). Nesse eixo ele situa os demais modelos: “tribal”, de “subsistência” etc. e faz uma análise profunda sobre o significado das inserções dos diferentes modelos e suas especificidades. A partir daí, apresenta a capacidade de adaptação particular aos diferentes modelos e constrói o diagrama dos modelos com a integração aos mercados.
Em sua metodologia, o autor buscou, por uma abordagem qualitativa, comparar diferentes formas de sistemas de funcionamento da agricultura familiar (produção, fundiários, representações etc.) em diferentes contextos para tentar buscar o entendimento de seus funcionamentos a partir de um questionamento feito junto a pesquisadores renomados neste assunto em diferentes países e, também no nível local brasileiro. Dos países de capitalismo avançado foram escolhidos o Canadá e a França e das sociedades de capitalismo dependentes foi escolhido o Brasil em três distintas regiões: o Cariri, no nordeste; Leme, no estado de São Paulo e Ijuí, no Rio Grande do Sul. Por parte das sociedades em vias de desenvolvimento foi escolhida a Tunísia. Por fim, pelas sociedades ainda mantém o sistema coletivista como é o caso da Polônia (três comunidades: Drobin, Steszew e Zator).
Lamarche, para definir os critérios de uma tipologia comum, utilizou da experiência e da competência dos entrevistados em seus respectivos terrenos de pesquisas, onde cada um pôde propor uma análise tipológica dessas explorações e retirou, a partir dessas bases, a amostra representativa. Foi definido apenas, um quadro geral, comum, no qual deveria estar ancorada a tipologia com vistas a se evitar uma grande dispersão de informações e enfoques. Paralelamente, foram considerados também dados de estatuto, como por exemplo: idade, sexo, estatuto do chefe de exploração, etc. Mantendo-se um número reduzido de tipologias de exploradores (quatro ou cinco grandes tipos) a ser entrevistados (cinqüenta entrevistas por terreno).
Texto 9: JEAN, B. A forma social da agricultura familiar contemporânea: sobrevivência ou criação da economia moderna. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre: PPGS/UFRGS, v.6, 1994. p. 51-75.

O autor inicia seu trabalho trazendo à baila a antiga discussão a respeito do desaparecimento da agricultura familiar em função das teses marxistas que essa forma de organização social daria lugar a outra, “mais evoluída”, ou seja, a fazenda capitalista ou a unidade coletiva de produção. Utilizando argumentos da obra de Claude Servolin e analisando o caso da agricultura familiar canadense, em especial da região de Quebec, Jean explica que não se trata de um anacronismo histórico, mas um produto do próprio desenvolvimento da economia agrícola moderna. Que o desempenho desse tipo de agricultura se deve à especificidade do processo de trabalho agrícola e à racionalidade particular da produção familiar. Lança uma questão sobre o desempenho futuro dessas unidades produtivas num quadro de uma revolução biotecnológica.
Buscando “recolocar as idéias em seu lugar: o desenvolvimento histórico da produção agrícola familiar”, Jean discute a questão do papel desse agricultor que, em tese, possui uma tríplice identidade: proprietário fundiário, empresário privado e trabalhador. Como, de modo geral, esse personagem não recebe a renda da terra e que continua a produzir mesmo em situações de prejuízos, antítese do pensamento empresarial capitalista, sobra uma baixa remuneração que poderia ser equivalente ao auto pagamento de um salário para sua sobrevivência.
Analisa um paradoxo verificado na agricultura familiar que se expressa na capacidade histórica de absorção de inovações tecnológicas. Desde as primeiras tecnologias com máquinas (tratores) e implementos, assim como a utilização dos insumos modernos em geral, o que produziu uma capacidade positiva de competição com a agricultura empresarial capitalizada. Por fim, neste tópico, trata de duas questões fundamentais relacionada com a sua evolução histórica, a saber: a) a especificidade do trabalho agrícola e racionalidade do produtor rural; e, b) o papel do Estado e a conseqüente política agrícola e interesses de classe (leis, sindicalismo, cooperativa, crédito, mercado, difusão e ensino agrícola).
No segundo tópico, se empenha em “recolocar a agricultura em seu lugar: sobre a especificidade e a racionalidade do trabalho agrícola e sobre o mito de sua industrialização”. Para tanto, analisa os mecanismos do trabalho nas bases da industrialização onde o trabalhador passa a se relacionar apenas com uma pequena parcela do processo produtivo, o que não acontece com o agricultor. Conclui com a afirmação de que “não são os homens (...) que são produtivos, mas é a natureza que é produtiva”. E reflete sobre a dominação da natureza no processo produtivo agrícola e a qualificação que se torna cada vez mais crescente para a produção agrícola familiar.
No terceiro tópico “a indissolubilidade do casamento entre a agricultura moderna e o Estado: política agrícola e regulação dos mercados”, Jean discorre sobre os múltiplos papéis do Estado, muitas vezes contraditórios, como: a questão jurídica fundiária, tarifas alfandegárias, regulação profissional, legislação sindical, mecanismos de mercado etc., e as relações com o setor agrícola familiar. Lança um questionamento sobre o êxito dessa categoria de agricultores e atribui duas respostas: a) segurança de abastecimento alimentar e, b) diminuição relativa dos custos alimentares (a cheap food policy).
Como “conclusão: a economia rural pós-moderna... Uma agricultura familiar sustentável”, citando Servolin, chama de “exploração agrícola individual” às unidades familiares de produção agrícolas e traça um quadro extremamente otimista quanto ao papel e desempenho dessa agricultura. Diz que o que diferencia as duas formas de agricultura familiar, uma tradicional, outra que se moderniza, é o seu fim (reprodução x produção) e seus meios. Antes havia abundância de força de trabalho familiar. Hoje existe se ancora na mecanização do trabalho agrícola. Reflete sobre a questão da transição para uma agricultura ecológica e aponta para uma agricultura integrada no futuro. Sobre a possibilidade de, em Quebec, a agricultura familiar poder assumir a gestão de florestas públicas. Conclui afirmando a amplitude das capacidades de adaptação da agricultura familiar o que garantira um espaço para ela na era pós-moderna já anunciada.
Texto 8: MOONEY, P. Tempo de trabalho, tempo de produção e desenvolvimento capitalista na agricultura: uma reconsideração da tese de Mann-Dickinson. Literatura Econômica, v.9, n.1, 1987. p. 27-41.

Mooney procura contestar a tese central defendida por Mann e Dickinson quando buscam, na tentativa de explicar o desenvolvimento desigual do capitalismo na agricultura, atribuir à lógica e à natureza do próprio capitalismo em detrimento aos argumentos que se ancoram “nas explicações da persistência das fazendas familiares que dão ênfase ou ao ‘momento subjetivo’ em que uma aumentada auto-exploração permite a reprodução, ou à expansão da produtividade do trabalho familiar mediante a inovação tecnológica”.
O autor inicia seu artigo com o que chama de crítica teórica sobre a tese de Mann-Dickinson no que diz respeito à persistência da agricultura familiar “na era do capitalismo avançado”.
A primeira crítica se baseia no que o autor considera de presunção dos autores no sentido da afirmação de que “o desenvolvimento capitalista parece parar, por assim dizer, na porteira da fazenda”. Para Mooney, o capitalismo não é nem unilinear nem convergente. “Ele (o capital) pode tomar novas formas de produção, no processo de esmagamento das formas antigas” (anteriores).
A segunda crítica se refere à afirmação “de que o esforço para a redução da brecha entre tempo de trabalho e tempo de produção é, de alguma forma, específica do capitalismo”. Para o autor, em qualquer sociedade e em outros modos de produção as pessoas sempre buscaram a harmonia entre esses dois tempos (de trabalho e de produção). Cita os Chineses no século XI e outros exemplos com hortaliças em sociedades capitalistas onde o homem sempre busca a redução do tempo de criação de uma mercadoria.
A seguir (terceira crítica), Patrick questiona sobre a posição de que a penetração do capital na agricultura se dá em função de mecanismos naturais ou do nível e tecnológico. Para ele, outros fatores devem ser considerados como as disputas que ocorrem no espaço econômico, político e ideológico.
O quarto ponto considerado se refere à fragilidade da tese em não realizar estimativas: a) na extensão do desenvolvimento capitalista; b) da variabilidade das exigências totais de mão-de-obra por todo o ciclo de produção; e, por fim, c) de perecibilidade. Faz-se necessário que as medidas de variância em necessidades de mão-de-obra sejam historicamente anteriores a medidas de desenvolvimento capitalista.
Um quinto ponto crítico pode ser apresentado no que diz respeito à preocupação com a distinção entre tempo de trabalho e tempo de produção. Os autores utilizaram dados do número total de horas de trabalho apenas de dois períodos: 1944 e de 1964, o que pode acarretar o surgimento de determinada sazonalidade na demanda por mão-de-obra assalariada ou mesmo familiar ao longo de todo o ciclo de produção nestes períodos. Além disso, os autores dissociam as tarefas ditas não-produtivas como, por exemplo, a administração e a contabilidade que fazem parte do universo produtivo, caso contrário o agricultor familiar deveria pagar recursos adicionais para a realização dessas tarefas.
Como última crítica, Mooney destaca a questão da perecibilidade dos alimentos ou das mercadorias no pós-safra. Acusa a imprecisão do termo e afirma que a mensuração da perecibilidade torna-se difícil pela falta de especificidade quanto ao que constitui essa perecibilidade, além da dificuldade da ausência de um marco teórico que possa ser confrontado com a hipótese tempo de trabalho versus tempo de produção.
A seguir o autor apresenta uma tabela com os “níveis de variação de mão-de-obra e desenvolvimento capitalista para mercadorias selecionadas”, para mostrar a pouca evidência empírica para apoiar a hipótese de Mann-Dickison e apresenta a discussão dessa variância sobre diversos produtos agrícolas. Conclui mostrando que existe uma tendência geral para a variância do tempo de trabalho reduzir-se paulatinamente, o que, porém, é acompanhado não por um aumento da presença do trabalho pago, como sugeriram Mann-Dickinson, mas por uma redução desse tipo de trabalho.
Finaliza o trabalho citando Wright (1978) que insere a expressão “localizações contraditórias de classe” entre mercadoria isolada e formas capitalistas de produção, para exprimir a idéia da luta que é travada entre as idéias que circulam sobre o controle da agricultura pelo capital. Conclui com a afirmativa de que “essa estrutura pode, efetivamente, não constituir um simples estágio de transição, mas uma formação em que o capital pode apossar-se da mais-valia de maneira mais eficiente e com menos risco do que através da forma do trabalho assalariado”.
Texto 7: MANN, S.; DICKINSON, J.M. Obstáculos ao desenvolvimento da agricultura capitalista. Literatura Econômica, v. 9, n.1, 1987. p. 7-26.
O artigo se propõe a explicar a manutenção e persistência das unidades de produção não-capitalistas nos setores agrícolas dos países capitalistas avançados, a partir da teoria do desenvolvimento capitalista e demais categorias marxistas.
Inicia apresentando uma tese de Marx que diz que a pequena produção de mercadoria e a produção capitalista são similares em dois aspectos: são formas de produção para a troca e, ambas, se constituem a base para a acumulação privada. Porém com relações sociais diferentes. O pequeno produtor é proprietário dos meios de produção e não existe exploração de classe na família e sem produção de mais-valia. Para Marx a pequena produção de mercadoria era a pré-história do capitalismo. Tratava-se, para ele em um estágio de desenvolvimento “transicional” e com uma tendência a diferenciação de classe. Com relação à pequena burguesia rural poderia se dizer que a expansão de alguns significava a ruína e proletarização de outros.
A relação de mercado entre as duas forças do capitalista e da pequena produção familiar tende a reduzir o total de trabalho. Dessa forma a persistência das U.P.F. significa a refutação às teses de Marx
Existem duas teorias, uma sugerindo que é o momento subjetivo da composição interna das UFP e com uma lógica de continuar produzir sem receber a taxa média de lucro; a intensificação do auto-exploração (crescente jornada e redução do consumo. Para essa posição existem críticas: que comporta o econômico abstraído e isolado da totalidade e por defender uma “economia dual”. Outra crítica defende que é um fator objetivo, relativo as forças de produção e tem por crítica, defende o determinismo tecnológico. Dá ênfase nas tecnologias poupadoras de M.O.
Marx nos Grundrisse apresenta três teses: 1) os fundamentos na teoria do valor-trabalho; 2) a natureza peculiar de certas esferas da produção agrícola; e, 3) o capitalismo é o modo de produção dominante e, por isso, determinante.
Define e apresenta as diferenças entre tempo de produção e tempo de trabalho, onde o valor de troca é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-lo;
Sobre o efeito do tempo de produção na taxa de lucro, o autor diz que “quanto maior o tempo de produção, mais tempo uma mercadoria se torna acabada”; somente quando uma mercadoria assume sua forma acabada é que o valor pode ser realizado; a rotação de um capita é igual ao montante de tempo gasto na esfera da produção e na esfera da circulação. Desde que a Taxa de lucro seja calculada como a relação entre a mais valia e o capital total adiantado, quanto maior o número de rotações o capital pode realizar num período de tempo, maior será a taxa de lucro. Segundo Marx, quanto mais curto for o período de rotação, mais rapidamente a parte variável do capital é transformada na forma-dinheiro do valor (incluindo a mais-valia)
Existem esferas da produção agrícolas onde “constrangimentos naturais” impedem redução no tempo de produção e afasta o capital. O Estado assume as esferas não atrativas e termina por apoiar às esferas não atrativas. Logo, os preços baixam e acontece a redução dos custos de produção;
Quanto aos problemas de circulação pode-se dizer que durante a fase de circulação o capital não produz nem valor, nem mais-valia e que existem custos na circulação. A forma da mercadoria não é igual em todas as fases da produção e estabelece limites à circulação do capital (deterioração das mercadorias). Produtos perecíveis se tornam um alto risco para a produção capitalista.
Com relação ao efeito do tempo de produção nas relações sociais de produção pode-se dizer que as diferença entre os tempos (produção/trabalho) nos dá dicas sobre as relações sociais de produção. Por exemplo, a contratação de assalariado sazonal; uso de trabalho migratório. Outra questão apontada foi a que acarreta questões metodológicas, uso de unidade de meia força (caráter arbitrário). Hoje se utiliza a relação anual entre trabalho assalariado e familiar. As reais relações de produção em algumas esferas da produção serão distorcidas.
Conceitos devem ser examinados para se avaliar quantos dias/homens cobrem efetivamente os períodos de tempo de trabalho. Estabelecer para cada mercadoria o número aproximado de dias dentro do ciclo agrícola anual que são os períodos de tempo de trabalho.
Conclusões: As mercadorias agrícolas, cuja produção é caracterizada por um excesso de tempo de produção em relação ao tempo de trabalho, apresentam uso ineficiente do capital constante, problemas de recrutamento de mão-de-obra, taxa de lucro mais baixa e dificuldades para uma rápida realização do valor na esfera da circulação; na indústria tempo de trabalho e tempo de produção são coincidentes; na agricultura a habilidade de manipular e variar o tempo de produção e o período de rotação é circunscrita pelas características naturais do objeto sendo produzido; desestímulo para certas áreas agrícolas; a razão para a subsistência da pequena produção de mercadorias se deve na lógica e natureza do capitalismo; as características naturais do processo de produção que, em última análise, inibem o desenvolvimento capitalista (determinismo natural) e, por fim, basear-se somente na natureza é um argumento não-histórico
Texto 6: ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo-Rio de Janeiro-Campinas: Editora Hucitec, ANPOCS, Editora da Unicamp, 1992. p.135-207 (Cap. 5, 6 e 7)
O autor apresenta no capítulo 5 as duas tendências no debate teórico sobre a composição e a importância dos setores agrícolas na produção de alimentos que estiveram no circuito acadêmico no período de 1980. De um lado, as teses apoiadas na importância da agricultura de base familiar e de outro, em especial nos países de capitalismo avançado legitimado pelo “mito jerffersoniano da democracia agrária”, as teses da agricultura empresarial, onde o peso maior na produção agrícola se assenta nas grandes corporações e nas empresas capitalizadas. Nesse campo, a agricultura familiar, em função das forças de mercado, tenderia ao desaparecimento. Abramovay estuda, a partir de artigos e dados do USDA, a situação da agricultura familiar. Apresenta as discussões históricas ocorridas do início do século XX com Gimmer (1913), que afirmava a decomposição do capitalismo agrário nos EUA e com Lênin (1916), com a tese do capitalismo agrário justificado pelo uso crescente de tecnologias e mão de obra assalariada. Outros autores ampliam os critérios para definição da diferenciação social nas propriedades, como a propriedade da terra, gestão, situações demográficas, tecnologias e outros fatores. Radoje Nikolitch, do USDA, em 1960, utiliza uma tipificação leninista onde a definição recai sobre a gestão e o trabalho, ambos, apoiados efetivamente na família. A seguir, no tópico “Fim do mito ou mito do fim”, o autor apresenta uma série de dados demonstrando a importância da agricultura familiar na consolidação do desenvolvimento agrícola americano. A partir dos trabalhos de Nikolitch, o autor organiza uma série de tabelas para demonstrar que nos EUA, até o fim da década de 60, a agricultura era fortemente de base familiar tanto pela composição da família, pelo uso de mão-de-obra assalariada, como pelo volume de vendas no mercado, sem desconsiderar a tendência da concentração da produção em estabelecimentos maiores. Apresenta outros autores que defendem um quadro “bimodal” na estrutura agrária (Buttel, 1983), onde se encontra um setor altamente capitalizado e baseado na utilização de mão-de-obra assalariada e outro de base familiar. Abramovay, criticando essa idéia da bipolarização, conclui que não se pode determinar a natureza social de um estabelecimento agrícola apenas por sua dimensão econômica. Analisa o papel das grandes corporações e conclui que independentemente da concentração do processo produtivo e da presença de grandes unidades capitalistas, “o fenômeno central na agricultura dos EUA é que sobre a base da unidade familiar é que se processa boa parte da própria concentração do processo produtivo”.
No Capítulo 6, “A agricultura familiar no país dos landlords”, Abramovay estuda a questão da Inglaterra e País de Gales, países considerados como o berço do capitalismo. Apresenta dados sobre a estrutura social do desenvolvimento agrícola nesses países onde a agricultura camponesa foi quase destruída com a Revolução Industrial e mostra diferentes posições, de um lado, os que pensam no retorno da estrutura tripartite, hoje com os capitais financeiros (papel dos landlords), as corporações na função de capitalistas e a “eminente” transformação dos farmers em assalariados. De outro lado, os que reconhecem a importância das atividades agrícolas baseadas na família. Insere a discussão sobre a existência da agricultura de tempo parcial e a presença de fontes de receita não agrícola na composição da renda das propriedades familiares como complemento de recursos para a sua reprodução. Conclui o capítulo mostrando o ressurgimento e a importância dos estabelecimentos familiares após a “derrocada” da grande propriedade capitalista, desde o fim do século XIX, garantindo com isso o abastecimento alimentar, sem desconsiderar a concentração do processo produtivo em curso.
No último capítulo estudado (7), Abramovay se centra na questão da agricultura na Europa ocidental, que, após a II Guerra Mundial se tornou o segundo maior exportador de alimentos do mundo, em função da presença e organização da agricultura familiar. Apresenta o papel do Estado nessa economia (na figura da Comunidade Econômica Européia), onde o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa agrícola; o controle do mercado a partir de uma política de subsídios e créditos que garantem os preços na remuneração da produção; uma política de infra-estrutura, o controle do fluxo migratório nas atividades agrícolas e, por fim, uma forte política de organização setorial que preserva a agricultura. Porém com uma preocupação na manutenção do meio rural, “sua revalorização” e o direcionamento de produtores para outras atividades não necessariamente agrícolas (pluriatividade), como forma de criação de alternativas às crises oriundas das oscilações de preços em função do mercado (superprodução).
Texto 5: WOLF, E. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. (Texto sem a referência completa)
Eric Wolf apresenta em uma perspectiva antropológica a questão camponesa a partir de seus problemas e dos aspectos econômicos de sua formação e organização histórica. Inicia o livro com a diferenciação entre o camponês e o “cultivador primitivo”. Enquanto este último realiza a troca dos excedentes diretamente no seu grupo social (relação simétrica), o camponês transfere seus produtos ou excedentes para as mãos de um grupo dominante (não simétrica). A seguir, situa o surgimento da agricultura na Ásia, como processo civilizatório (mais ou menos 9 mil anos a. C. segundo dados arqueológicos). No México, por volta de 7 mil a.C. e de maneira plenamente estabelecida em torno de 1500 a.C., onde se deu uma diferenciação na divisão funcional do trabalho.
Estabelece os conceitos de “mínimo calórico” e “excedente” para determinar o quanto de produção é necessário para a manutenção da vida do cultivador rural e a parte da produção que é efetivamente transferida. Separa dessa produção o que seria o “fundo de manutenção”, das partes que teriam uma função social como o fundo cerimonial, o custo relativo às participações sociais; o fundo de aluguel, para o resgate de dívidas com alguém que exerça um poder superior e, por fim, o fundo de poder, que é a parte apropriada pelos dominadores.
Mostra em diferentes situações geográficas o papel das cidades relacionado à crescente complexidade social e a relação das comunidades camponesas com os centros urbanos em diferentes momentos da história e o Estado como forma constituinte da civilização. Somente nesse momento, a partir de relações exteriores a seu extrato social o camponês assume um papel na relação com os detentores do poder. Apresenta o lugar do campesinato como produtor de reservas de riquezas e a posterior perda de importância em função da revolução industrial. Dessa forma, descreve o “dilema camponês”, ou seja, a necessidade de produzir o mínimo calórico, o fundo de manutenção e os fundos cerimoniais em contraposição às demandas externas e limitações com o tamanho da terra e força de trabalho. Nesse ponto, o autor apresenta as teses de Chayanov para justificar a lógica campesina de trabalhar apenas no limite da satisfação do consumo familiar.
Na segunda parte do texto, Wolf aborda os aspectos econômicos do campesinato, apresentando alguns sistemas utilizados para extrair sustento e excedentes, os “ecótipos camponeses”, que foram divididos em “paleotécnicos” (primitivos da primeira revolução agrícola – força de trabalho humana e animal) e o “neotécnico”(com a utilização de máquinas e implementos gerados pós revolução industrial). No ecótipo paleotécnico o autor descreve diferentes sistemas de uso da terra: pousios de curta e longa duração, pousios setoriais e cultivos permanentes ou hidráulicos, a eficiência e importância de cada um deles. Além disso, alguma variantes desses ecótipos como o “Mediterrâneo” e o “Continental ou transalpino” que misturam implementos rudimentares com diferentes formas de pousios. Por fim, quanto aos ecótipos neotécnicos utilizados a partir do século XVIII e descritos como: horticultura especializada, fazendas leiteiras, cultivo composto e, o último, relacionado com as culturas agrícolas dos trópicos.
O autor apresenta as formas de relacionamento do camponês com o mundo exterior à sua propriedade. Descreve os sistemas de zadrugas, da Eslávia Meridiona no século XIX; formas comunitárias existentes na Índia e Europa medieval com as corporações, o jajmani; além de outras formas mais modernas de relacionamento de mercado em redes de trocas, como os mercados secionais.
Na última parte do texto, Wolf discorre sobre a disposição dos excedentes camponeses. Estuda os mercados e as vinculações do campesinato, além das formas de influência do mercado com a composição dos preços das mercadorias, bens e serviços e os fatores de produção: terra e trabalho. Observa essa relação de mercado na Índia e na Europa e as diferentes formas de domínio sobre os camponeses, como por exemplo, os tipos: o patrimonial (feudal), de caráter hereditário; o prebendal, não hereditário, porém concedido pelo Governo e, o último, o mercantil, a terra vista como propriedade privada. Apresenta, para concluir, algumas experiências denominadas por “domínio administrativo” reguladas pelo Estado, como as vivenciadas na União Soviética, com os Kolkhoz, na China Popular, com as comunas e no México com os ejidos
Texto 4: ALMEIDA, M. W. B de. Redescobrindo a família rural. RBCS no 1, V.1, jun, 1986. p.66-83.
Mauro Almeida relata a importância dos estudos sobre a família rural nos anos 70 e 80 e o papel da família camponesa como “elemento funcional para o processo de acumulação capitalista”, onde a “pequena unidade de produção” (eufemismo para o termo “agricultura camponesa”) teria como função o barateamento de produtos alimentícios para a população trabalhadora urbana e, com isso, menores salários. Reforçando a tese de que pequenos produtores rurais fazem qualquer negócio para continuar sua existência. Apresenta alguns autores que afirmam tratar-se de uma lógica diferente da capitalista e outros que entendem diferentes lógicas familiares, ou seja, “uma dinâmica capitalista própria ao meio rural” onde alguns enriquecem e outros proletarizam-se.
Nessa discussão, estudos caminham no sentido de um modo de produção camponês, com o foco na “reprodução de ciclo curto, anual”, com a lógica econômica da família. Outros estudos apontam para a forma de perpetuação familiar nas gerações, com a lógica de parentesco (nascimento, casamento, morte, herança, etc.). É a passagem da visão macroeconômica para uma visão de reprodução da família para si (curto e longo ciclo).
Com a finalidade de se estudar a família rural lança-se mão de termos como “unidade doméstica” ou “família”. O autor, visando a definição de família, apresenta duas situações distintas. Na primeira acepção, família são pessoas que pertencem a uma unidade de produção. Além de uma variação, a necessidade do grupo doméstico ser constituído por parentes. A segunda definição, família diz respeito a um conjunto de parentes (família nuclear). A variante a esta definição seria a inclusão de que esta família se constitua num grupo econômico (consumo e/ou trabalho). Com estas quatro modalidades o autor realiza uma reflexão sobre a forma de composição de famílias rurais nas diferentes regiões do Brasil; a questão do funcionamento econômico do grupo doméstico; os tipos de famílias: neolocal, matrifocais, extensas, tronco, conjugal e os demais vínculos que as ligam.
Outra questão teórica discutida neste artigo se refere ao “ciclo de vida”. Almeida relata vários exemplos de formação ou fragmentação familiar e suas causas citando diferentes autores em várias experiências no Brasil e no mundo. Conclui essa discussão optando pela definição de grupo doméstico (cooperativo ou unidade técnica) para grupo de pessoas vinculadas por co-residência, consumo e trocas ou trabalho. “Família” para designar um grupo de pessoas que são vinculadas a priori por parentesco.
A seguir, insere a discussão sobre a economia doméstica partindo da definição de ciclo de reprodução camponesa, onde a família determina variáveis econômicas como: trabalho, terra e saber técnico. Utiliza a teoria de Chayanov, em especial a hipótese de que “o tamanho e a composição da unidade são dados não pelas exigências diretas do processo de produção, mas a priori, ao nível da família” (Meyer, 1979). A seguir, mostra diferentes composições de grupos domésticos quanto aos trabalhadores no nordeste brasileiro e também, a presença de assalariados nas unidades de produção. Outra questão chayanoviana diz respeito ao estoque de trabalho potencial em relação à composição da família. Mostra diferentes faixas etárias e seus vínculos com o trabalho familiar e também o comportamento camponês na amazônia, no nordeste e no centro sul e as relações entre os níveis de renda, o tamanho das famílias e o trabalho realizado.
O autor enfatiza a idéia da racionalidade camponesa que, em tese, busca a maximização do bem-estar familiar. Por isso, pode-se dizer que esta “racionalidade camponesa não é individual, mas cristaliza-se em formulas coletivas ou padrões culturais”. Mas uma vez retorna a Chayanov afirmando que na racionalidade camponesa “o grupo doméstico utiliza os recursos disponíveis de maneira a equilibrar consumo e esforço de maneira ótima”. Mostra vários exemplos onde discute, no plano cognitivo, o lugar do homem e da mulher no trabalho de unidades familiares camponesas (quem realiza o quê, as hierarquias e os conflitos).
Para finalizar o artigo, analisa outras relações sociais que se articulam com a família rural, ou seja, os grupos extradomésticos, seus vínculos com a família, a cooperação, a reciprocidade e o papel da política local e suas relações de poder. Mostra outros estudos que se prendem na questão territorial e intraclasse. No que tange a região sul, Mauro apresenta estudos de Seyferth, Santos,Woortmann, Moura e outros que analisam o “contexto da terra”, seus direitos, descendências, herança, a endogamia e, por fim, a restrição da transmissão da propriedade entre descendentes.
Texto 3: Heynig, Klaus. Principales enfoques sobre la economia campesina. Revista de la Cepal, abril, 1982. p.116-142. (Texto sem a referência completa)
Na antropologia clássica, o campesinato como grupo cujo comportamento econômico é explicado por suas atitudes, valores e sistemas cognitivos, onde a condução dos processos produtivos não se dá por uma lógica econômica, mas sim, por relações de parentesco, valores míticos etc., e depois, define comunidades camponesas a partir de semelhanças estruturais, econômicas, sociais e de personalidades em contraposição aos demais grupos sociais. Kroeber e Redfield passam a relacionar camponeses com o urbano e suas relações com a sociedade e Estado. Depois, a importância ao enfoque “culturalista” em função dos estudos comunitários. Nos anos 50 aumenta a valorização dos aspectos agronômicos em detrimento da caracterização apenas cultural.
Nos enfoques modernizantes, a teoria de Lewis, 1954, que prega a dualidade entre um setor moderno, capitalista e industrial e de um setor tradicional, atrasado, baseado na subsistência, sem interesse de lucro e que tem como importância apenas a produção de excedentes de produtos agrícolas e fluxo de mão de obra barata para a indústria. A teoria de Schultz, que reconhece a racionalidade camponesa. Conclui que a agricultura tradicional não é capaz, por si só, de contribuir com o crescimento econômico. Por isso, defende a transferência de capital para a agricultura com vista à modernização. Nesse período acontece o processo denominado de “A Revolução Verde” com apoio de organismos internacionais.
No enfoque marxista, apresenta o dualismo camponês: ora proprietário dos meios de produção, como um capitalista; ora como trabalhador, e o situa como uma categoria residual. Marx analisa o processo Inglês em “Acumulação Primitiva”, onde se dá o cercamento dos campos, a expulsão e expropriação dos camponeses, com o seu deslocamento para as zonas industriais, criando condições para o desenvolvimento capitalista. A grande discussão no marxismo gravita em torna da questão se o campesinato é uma classe social ou se é um modo de produção. Marx considera em “Formen” a pequena propriedade livre como um modo de produção que está situado no mesmo nível das comunidades primitivas. Em outros trechos de sua obra, Marx os considera como “classe cuja condição se inscreve no processo concreto da luta de classes, em uma dada formação social”. De qualquer forma, em virtude das especificidades dessas formas de exploração, o camponês se vê diante de uma atitude ideológica que o coloca, em certos momentos, ao lado da luta dos trabalhadores, em outros, ao lado da burguesia. O dilema: ou se integrar numa aliança com os proletários para a derrocada da ordem burguesa ou vai “vegetar de crise em crise”.
Para Lênin, estudando o capitalismo na Rússia, entende um “processo de descampenização”, ou seja, a destruição radical do velho campesinato, fazendo surgir novas formas de população rural – burgueses e proletários do campo. Dois caminhos são possíveis para a descampesinação e surgimento do trabalho remunerado: a partir do “Junker”, antiga economia dos proprietários da terra se transformando lentamente para capitalistas, ou a forma mais violenta, via “Farmer”, com uma revolução na propriedade da terra e da pequena fazenda camponesa que irá se decompondo com o desenvolvimento capitalista.
Chayanov, agrônomo e economista entre os anos de 1910-1930, representante da Escola da Organização-Produção, e que defendia a transformação da organização na economia camponesa com vistas a elevar a produção agrícola, sem a necessidade de mudanças políticas. Ele defende que pela especificidade da existência de trabalho não assalariado, o campesinato necessita de outra teoria econômica diferente da forma clássica. Com isso, que a economia camponesa é uma forma de produção não capitalista. Nesse caso, o trabalho é dirigido pela satisfação de necessidades básicas, a subsistência, definida culturalmente. Daí se estabelece um equilíbrio entre trabalho e consumo. Por fim, que na exploração em base familiar não existe a renda da terra e que se trata de um modo de produção camponês, baseado na exploração de base familiar. O autor desenvolve várias posições críticas às teses de Chayanov.
Apresenta os debates contemporâneos existentes entre as posições campesinista e não-campesinista onde, para os primeiros, existe possibilidade de subsistência e fortalecimento da forma familiar de produção. Para o segundo grupo, esperam o desaparecimento da agricultura familiar e intensificação das relações capitalistas no campo e a inevitável proletarização do camponês.
Para terminar, o autor desenvolve algumas observações sobre este debate mostrando algumas posições importantes e que se contrapões às teses anteriormente citadas. Para Landsberger, que classifica os camponeses de seres humanos que se encontram dentro e fora dessas categorias analisadas. NãO EXISTE UM SÓ CAMPESINATO, E SIM , UMA SOCIEDADERURAL COM CAMPONESES SOCIALMENTE DIFERENCIADOS QUE, DADA A EXPANSÃO DO CAPITALISMO, PERDERAM A UNIDADE ORIGINAL DE SUA CLASSE.
Texto 2: ANJOS, F. S. dos. Agricultura familiar, pluriatividade e desenvolvimento rural no sul do Brasil. Pelotas: EGUFPEL, 2003. 347p. p.9-43
Anjos inicia com uma revisão dos principais pontos sobre o campesinato na obra de Marx. No texto “A Acumulação Primitiva” Marx descreve o “caso inglês” onde, a partir do cercamento dos campos e da expropriação dos camponeses e sua transferência como exército de reserva para a indústria emergente, pode criar condições para a consolidação da agricultura comercial em bases capitalistas. Ancora a preocupação marxista não na questão camponesa em si, mas na questão do proletário assalariado industrial, ator fundamental do capitalismo. No setor rural inglês se identifica o proprietário, o arrendatário capitalista e o proletário rural. De qualquer forma, este sistema modelar dificultou a análise de outras formações onde a permanência camponesa se verificou historicamente. Marx considerou o campesinato como uma “forma” ou “modo de produção pré-capitalista” sem muito interesse para o desenvolvimento capitalista emergente.
O autor se debruça sobre os autores Kautsky e Lênin, que, à luz do marxismo, apresentam teses diferentes sobre a questão agrária que complementam a obra marxiana na questão da evolução da agricultura no capitalismo. Para Lênin, na Rússia, após a consolidação das contradições de classe após a emancipação dos servos no campo se estabelecem três classes sociais: os camponeses pobres (bedniaks, mujiques), os camponeses médios (serediniaks) e os ricos (kulacks). Sendo que os intermediários desaparecem migrando pequena parte para os ricos e a grande maioria se tornando proletários rurais, em situação de relação com a terra semelhante ao que hoje se define por “agricultura a tempo parcial”.
Para Kautsky, a social-democracia não deveria despender energias na construção de um programa voltado para os camponeses em função de seu entendimento que os mesmos já se encontrariam em um processo de proletarização. Para Kautsky a agricultura camponesa era incompatível com o progresso técnico necessário para o desenvolvimento capitalista (arcaísmo).
Anjos apresenta as teses de Chayanov que, contrariamente a Lênin e Kaustky, acredita na economia camponesa e “contrapõe-se frontalmente com os pressupostos centrais do marxismo”. O autor descreve situações onde o capitalismo convive com formas camponesas e situações onde os camponeses demonstram capacidade de luta e resistência. Para este autor, as categorias da economia clássica como renda, salário e capital são insuficientes para interpretar os fenômenos da economia camponesa. Além disso, ele estabelece relações entre a produção e a satisfação de consumo familiar, fato que determina o “ponto de equilíbrio” das atividades camponesas, diferentemente do circuito capitalista de produção que é regido pelo lucro. Chayanov recusa a “Teoria da diferenciação Social”, de Lênin, demonstrando a relação entre a área de produção e o tamanho da família; que o camponês tem uma lógica de maximizar oportunidades e não só a renda e, por fim, que o camponês se sujeita a remuneração e preços inferiores ao “valor da renda capitalizada” em função de uma lógica própria voltada para suas necessidades de consumo.
O autor apresenta além dos clássicos, autores que foram importantes no período do pós-guerra e que deram subsídios teóricos ao processo de modernização culminado pelo que se chamou de “Revolução Verde”. Os “enfoques modernizantes” apontavam para um campesinato como sociedade parcial, com cultura parcial. Na abordagem antropológica, em contraponto às análises marxistas, é central a ênfase nos determinantes não-econômicos da conduta camponesa. Nessa perspectiva, os agricultores opor-se-iam ao processo de modernização e aos valores da civilização urbana industrial. Nesse momento, surgem as teses de Hayami e Ruttan, Rogers, Schultz, Lewis que embasam a modernização da agricultura e das relações no campo. Alguns entendendo que os camponeses são entrave à modernização, outros defendendo a racionalidade camponesa e a necessidade de investimento em capital para seu desenvolvimento.
Sacco dos Anjos discute a especificidade do campesinato no que diz respeito a sua persistência histórica e em espaços geográficos distintos; suas resistências e adaptações durante os períodos mais recentes de industrialização da agricultura; o apropriacionismo e o substitucionismo, no qual os produtos agrícolas incorporam elementos sintéticos ao processo final de produção. Com tudo isso, aponta-se para a conclusão de que a agricultura familiar contemporânea é produto do próprio desenvolvimento da economia agrícola moderna, ou seja, não se trata de um “anacronismo histórico” (Jean, 1994).
Para concluir, o autor destaca as diferenças da visão sobre as explorações típicas camponesas para as explorações de base familiar. Nos países industrializados não mais cabe se pensar em economia camponesa. Que o eixo de definição se relaciona com a inserção nos mercados. Finalmente estabelece os traços fundamentais para a agricultura de base familiar, como o tipo de gestão, a responsabilidade sobre o empreendimento, o trabalho essencialmente familiar, o tipo de patrimônio e o seu fluxo intra geração, e, por fim, a necessidade dos membros viverem efetivamente nas propriedades rurais.
Termina o capítulo refletindo sobre a necessidade de se “destacar a presença da agricultura familiar ao longo da história, com fluxos e refluxos em seus níveis de protagonismos e importância relativa”, e a necessidade de se estudar e conhecer os mecanismos de sua existência social.
Texto 1: HERVIEU, Bertrand. Los campos del futuro. Madri: Ed. MAPA, 1996. p.24-109
Bertrand Hervieu, abordou em seu livro “Los campos del futuro” a questão da agricultura familiar na França. Analisou, em especial, a década de 80, período em que considerou ter havido várias rupturas na agricultura familiar francesa. Para a análises dessas rupturas partiu de dois episódios ocorridos na França, o primeiro, em 24 de junho de 1990, com a comemoração de uma boa safra, e o segundo, de caráter reivindicatório, ocorrido em setembro de 91, quando cerca de 200 mil pessoas reclamaram da crise da agricultura familiar, sob o mote: “Não queremos um país sem agricultores” e os protestos violentos ocorridos à seguir.
O autor realizou tanto um diagnóstico da questão camponesa na França, como desvendou as aspirações dessa sociedade a respeito da agricultura. Partiu das mudanças históricas ocorridas com os produtores agrícolas, em especial, o processo de “desterritorialização”, que alterou a paisagem rural tanto em relação ao tamanho das populações, as atividades agrícolas praticadas e o surgimento de populações rurais não agrícolas. Ele considerou a existência de diferentes crises nas relações sociais que se dão nos espaços da cidade e do campo. A ruptura de ordem demográfica pode ser sentida nas periferias das cidades onde se deu um crescimento superpopulacional e nos espaços agrícolas que passou a ter baixas densidades. Com isso, Hervier vinculou outras rupturas como a ocorrida entre “agricultura e família”, entre “agricultura e território” e entre “agricultura e alimentação”. Considerou, ainda, que a ruptura “agricultura e natureza” pode exemplificar todas as demais rupturas.
Para a análise do comportamento populacional ele apresentou um quadro histórico desde o século XIX, passando por diferentes momentos: de 1860, com o “Tratado anglo-francês de livre câmbio”; de 1880; devido a crise pela concorrência com o trigo americano; de 1915 e de 1942, com as duas guerras mundiais; de 1929, com a grande depressão e o momento seguinte ao pós-guerra com o processo de modernização e crescimento que a historiografia francesa contemporânea denomina “Trente Glorieuses”; chegando aos anos 80, com um declínio na população estritamente agrícola. Concluiu que espaços rurais são espaços de vida para populações cada vez mais heterogêneas.
Com relação à exploração agrícola familiar entendeu que não se trata do fim da família em si, mas de um novo momento onde se dão novas relações e uma pluralidade de modelos de organização familiar e a separação irreversível entre empresa e família.
Sobre a questão territorial, o autor apresentou as mudanças ocorridas na paisagem agrícola e que determinaram novas relações sociais. Estas, por sua vez, foram afetadas por fenômenos como a desertização, a desterritorialização, a concentração e a especialização da produção, as questões jurídicas, a ruptura entre o local de trabalho e o de moradia, dentre outros fatores de mudanças.
Quanto à alimentação, o autor partiu da função clássica mais importante da agricultura que era a produção de alimentos e, fez uma análise do percentual de recursos investido por uma família francesa em alimentação, mostrando que hoje, apenas 5% são direcionados para a matéria prima agrícola. O restante segue para o circuito da distribuição, transformação e comercialização. Ou seja, o que antigamente determinava uma estreita relação entre produtor e consumidor, com mais da metade dos recursos familiares sendo canalizados para essa relação, na atualidade isso não mais existe. Alimentos, roupas, móveis se converteram em um universo sintético e artificial e a matéria prima agrícola se transformou em um elemento insignificante. Isso determinou uma ruptura tanto na relação do agricultor com o seu espaço de organização (profession agricole), como entre ele e a indústria de transformação e o mundo do comércio e distribuição. Concluiu afirmando que a ruptura moral é tão grave como a incerteza econômica.
Na discussão sobre o meio ambiente, Hervier se apoiou nos embates conflituosos ocorridos entre políticos, ambientalistas a agricultores em função dos impactos ambientais provenientes da prática agrícola “moderna”, intensiva em insumos, máquinas e implementos. Tornou-se evidente a crise psicossocial vivida pelos agricultores, os quais sempre se viram como os autênticos interlocutores entre sociedade e natureza. O autor chamou a atenção para a necessidade de se ampliar estudos envolvendo todos os segmentos sociais, em especial, os agricultores, para se entender os caminhos nas relações com os seres vivos em geral.