Friday, November 23, 2007

Texto 14: RADOMSKY, G. F. W. Reciprocidade, redes sociais e desenvolvimento rural. In: SCNEIDER, S. (Coord.). A diversidade da agricultura familiar. Série Estudos Rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p.104-133.

O autor relata neste artigo uma pesquisa realizada, no município de Veranópolis, RS, e que teve como motivação a forma histórica de desenvolvimento social e econômico desse município e a maneira como determinantes não econômicos exerceram influência na esfera produtiva. Busca nos laços de parentesco, amizade ou vizinhança a forma de entender o processo de desenvolvimento local, ou seja, descobrir se a forma de reprodução social e desenvolvimento econômico aconteciam a partir de mecanismos de integração (proximidade, conhecimento mútuo, amizade, vizinhança, parentesco, etc.). Dessa forma, o objetivo central da pesquisa era “analisar de que maneira as relações de reciprocidade, parentesco e proximidade são fundamentais para a constituição de redes sociais (no meio rural), e que podem vir a se tornar recursos basilares para o desenvolvimento e para a regulação das ações nos contextos sociais”.
Radomsky estuda duas redes de produtores distintos instituídas na região: as redes de vinícolas e a rede de produtores ecológicos. Como metodologia, foram utilizados métodos qualitativos de análise, através de entrevistas semi-estruturadas, intercaladas com técnicas de observação. Foram ouvidos vinte informantes que compuseram uma amostra não-aleatória que representou diferentes grupos e posições sociais nessa sociedade. As entrevistas foram analisadas com o auxílio do software NUD*IST.
Como forma de entender as interações sociais e atitudes dos indivíduos envolvidos o autor lançou mão da noção de “dádiva” presente na obra de Marcel Mauss. Este, sob um olhar antropológico, verifica que em diferentes sociedades existem mecanismos “reguladores de atos que prescrevem atitudes generosas para com seus membros”. (Para Mauss, a rocha elementar das sociedades, em todos os tempos históricos, é a capacidade de desenvolver trocas. Essas podem ser materiais ou simbólicas, sempre considerando a distribuição e a circulação desse elemento). Os atos de “dar, receber e retribuir” fazem parte de uma totalidade de relações nas quais os seres humanos estão envolvidos. “Sob essas relações, são estruturadas as obrigações recíprocas contraídas pelos sujeitos e as formas de solidariedade”.
A partir da teoria de Mauss, Radomsky complementa com as abordagens mais recentes de Píerre Bourdieu e de Alain Caillé. O primeiro, “introduz a questão do poder no seio da dádiva, complexificando e enriquecendo a análise das trocas”. Já Caillé entende que “nos atos da dádiva nunca há nem pode haver a certeza da retribuição, ela é obrigação e liberdade ao mesmo tempo” e que é possível a existência da “dimensão de gratuidade”. Retoma a dimensão ética da reciprocidade e a forma como ela estrutura relações de confiança. Insere nessa discussão teórica as idéias de Karl Polanyi, economista que incorporou elementos da antropologia em suas análises, para agregar como princípios econômicos a reciprocidade, redistribuição e o intercâmbio. Para este autor, considerando-se um sistema capitalista, como considerar esses elementos submersos nas relações sociais se o capitalismo já “faz a conversão para um sistema autoregulado pelo mercado?” Para sair dessa enrascada, o autor usou o pensamento de Bagnasco e Triglia que afirmam que “os mercados assumem formas particulares em formações sociais específicas”.
Como síntese teórica, o autor afirma que “a reciprocidade pode-se firmar como o fundamento para a consolidação das redes que se projetam num território que vêm a permitir articular os processos de desenvolvimento rural”.
Após a apresentação do funcionamento e análises das duas redes em questão o autor encerra seu trabalho concluindo que na zona rural de Veranópolis “geram-se inúmeras estratégias de diversificação de rendas e inserção econômica para as famílias”, apoiadas nas redes de relações sociais. Que os atores sociais conseguem preservar as relações de reciprocidades e da dádiva mesmo submetidos às relações mercantilistas capitalistas. Que as redes dinamizam o mercado de trabalho ampliando a possibilidade do surgimento da “pluriatividade”. Que essas redes ampliam os vínculos políticos, as associações nas comunidades rurais, as cooperativas e as demais ações coletivas. Daí, elas expressarem a pluralidade de empreender esforços para o desenvolvimento rural. Por fim, que a existência dessas redes possibilita que o desenvolvimento rural se dê de forma articulada e que possa se inscrever em uma marca territorial.

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