Friday, November 23, 2007

Texto 2: ANJOS, F. S. dos. Agricultura familiar, pluriatividade e desenvolvimento rural no sul do Brasil. Pelotas: EGUFPEL, 2003. 347p. p.9-43
Anjos inicia com uma revisão dos principais pontos sobre o campesinato na obra de Marx. No texto “A Acumulação Primitiva” Marx descreve o “caso inglês” onde, a partir do cercamento dos campos e da expropriação dos camponeses e sua transferência como exército de reserva para a indústria emergente, pode criar condições para a consolidação da agricultura comercial em bases capitalistas. Ancora a preocupação marxista não na questão camponesa em si, mas na questão do proletário assalariado industrial, ator fundamental do capitalismo. No setor rural inglês se identifica o proprietário, o arrendatário capitalista e o proletário rural. De qualquer forma, este sistema modelar dificultou a análise de outras formações onde a permanência camponesa se verificou historicamente. Marx considerou o campesinato como uma “forma” ou “modo de produção pré-capitalista” sem muito interesse para o desenvolvimento capitalista emergente.
O autor se debruça sobre os autores Kautsky e Lênin, que, à luz do marxismo, apresentam teses diferentes sobre a questão agrária que complementam a obra marxiana na questão da evolução da agricultura no capitalismo. Para Lênin, na Rússia, após a consolidação das contradições de classe após a emancipação dos servos no campo se estabelecem três classes sociais: os camponeses pobres (bedniaks, mujiques), os camponeses médios (serediniaks) e os ricos (kulacks). Sendo que os intermediários desaparecem migrando pequena parte para os ricos e a grande maioria se tornando proletários rurais, em situação de relação com a terra semelhante ao que hoje se define por “agricultura a tempo parcial”.
Para Kautsky, a social-democracia não deveria despender energias na construção de um programa voltado para os camponeses em função de seu entendimento que os mesmos já se encontrariam em um processo de proletarização. Para Kautsky a agricultura camponesa era incompatível com o progresso técnico necessário para o desenvolvimento capitalista (arcaísmo).
Anjos apresenta as teses de Chayanov que, contrariamente a Lênin e Kaustky, acredita na economia camponesa e “contrapõe-se frontalmente com os pressupostos centrais do marxismo”. O autor descreve situações onde o capitalismo convive com formas camponesas e situações onde os camponeses demonstram capacidade de luta e resistência. Para este autor, as categorias da economia clássica como renda, salário e capital são insuficientes para interpretar os fenômenos da economia camponesa. Além disso, ele estabelece relações entre a produção e a satisfação de consumo familiar, fato que determina o “ponto de equilíbrio” das atividades camponesas, diferentemente do circuito capitalista de produção que é regido pelo lucro. Chayanov recusa a “Teoria da diferenciação Social”, de Lênin, demonstrando a relação entre a área de produção e o tamanho da família; que o camponês tem uma lógica de maximizar oportunidades e não só a renda e, por fim, que o camponês se sujeita a remuneração e preços inferiores ao “valor da renda capitalizada” em função de uma lógica própria voltada para suas necessidades de consumo.
O autor apresenta além dos clássicos, autores que foram importantes no período do pós-guerra e que deram subsídios teóricos ao processo de modernização culminado pelo que se chamou de “Revolução Verde”. Os “enfoques modernizantes” apontavam para um campesinato como sociedade parcial, com cultura parcial. Na abordagem antropológica, em contraponto às análises marxistas, é central a ênfase nos determinantes não-econômicos da conduta camponesa. Nessa perspectiva, os agricultores opor-se-iam ao processo de modernização e aos valores da civilização urbana industrial. Nesse momento, surgem as teses de Hayami e Ruttan, Rogers, Schultz, Lewis que embasam a modernização da agricultura e das relações no campo. Alguns entendendo que os camponeses são entrave à modernização, outros defendendo a racionalidade camponesa e a necessidade de investimento em capital para seu desenvolvimento.
Sacco dos Anjos discute a especificidade do campesinato no que diz respeito a sua persistência histórica e em espaços geográficos distintos; suas resistências e adaptações durante os períodos mais recentes de industrialização da agricultura; o apropriacionismo e o substitucionismo, no qual os produtos agrícolas incorporam elementos sintéticos ao processo final de produção. Com tudo isso, aponta-se para a conclusão de que a agricultura familiar contemporânea é produto do próprio desenvolvimento da economia agrícola moderna, ou seja, não se trata de um “anacronismo histórico” (Jean, 1994).
Para concluir, o autor destaca as diferenças da visão sobre as explorações típicas camponesas para as explorações de base familiar. Nos países industrializados não mais cabe se pensar em economia camponesa. Que o eixo de definição se relaciona com a inserção nos mercados. Finalmente estabelece os traços fundamentais para a agricultura de base familiar, como o tipo de gestão, a responsabilidade sobre o empreendimento, o trabalho essencialmente familiar, o tipo de patrimônio e o seu fluxo intra geração, e, por fim, a necessidade dos membros viverem efetivamente nas propriedades rurais.
Termina o capítulo refletindo sobre a necessidade de se “destacar a presença da agricultura familiar ao longo da história, com fluxos e refluxos em seus níveis de protagonismos e importância relativa”, e a necessidade de se estudar e conhecer os mecanismos de sua existência social.

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