Friday, November 23, 2007

Texto 17: BELIK, W.; PAULILLO, L. F. O financiamento da produção agrícola brasileira na década de 90: ajustamento e seletividade.

Os autores analisaram a política de crédito rural nos anos 80 e 90, mostrando que, de início, ocorreram distorções nas políticas fundiárias e sociais, devidas à utilização discriminatória dessa linha de crédito. Que aconteceu nos anos 80 um esvaziamento da capacidade de financiamento do Estado e que, em função da escassez de recursos e a retirada dos subsídios, as condições de crédito se tornaram difíceis, ocorrendo um processo de financiamento privado com recursos oriundos da indústria, de trading companies e outros agentes. Com isso, aconteceu o fenômeno da “governança privada”, ou seja, financiamentos sem a interferência do Estado e motivados apenas pela auto-organização dos agentes creditícios.
Fazem um retrospecto do crédito rural desde os anos 30, porém, se concentrando no período pós 64, quando se efetivou o modelo da modernização no Brasil, o que foi acompanhado pela constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Esse sistema estava ancorado em fartos recursos e taxas de juros subsidiadas, política que perdurou até o fim dos anos 70, tendo o poder público como disciplinador. No período seguinte, até meados dos anos 80, ocorreu o fenômeno da auto-regulação, motivada por uma política econômica Keynesiana, que se propunha a controlar o mercado e conter a hiperinflação. Com isso, somente os setores mais organizados como o complexo agroindustrial conseguiram aporte de financiamentos e, em conseqüência, o crescimento.
A partir da metade dos anos 80, o crédito rural se manteve apenas como política compensatória e pontual para certos segmentos da agricultura. Mesmo assim, o setor industrial de frangos, cana e suco de laranja cresceu em volume de suas exportações. Nos anos 90, a perda do poder de regulação do Estado se intensificou, ocorrendo a abertura da economia para o mercado externo e a queda de barreiras deslocando a prioridade da agricultura. Os autores analisam as relações entre o crédito e a renda para os principais produtos agrícolas e concluem que apenas alguns segmentos foram beneficiados nesse período (soja, algodão, milho, suco de laranja), muito mais por conta de financiamentos não dependentes do Estado, o que prova a completa subordinação da agricultura no sistema econômico, perda de poder dos sindicatos e associações rurais e a conseqüente transferência desse poder para grupos econômicos não-agrários (interferência extraorganizacional). Surgem bancos ligados às indústrias de máquinas agrícolas como a John Deere e a New Holland que passaram a controlar até mesmo o Finame ligado ao BNDES. Concluem a análise apontando três perdas: 1) de representação de interesses; 2) da aglutinação de agentes nas organizações; 3) dos recursos econômicos. Para explicar esses processos dão o exemplo da cadeia do café na relação com o mercado futuro.
Belik e Paulillo interpretam as formas de financiamento agrícola em vigor a partir dos anos 90, e que foram direcionados exclusivamente para os setores mais modernos e “eficientes” do agronegócio brasileiro, muitos deles ligados aos principais corredores de exportação. Explicam como funcionavam a Cédula do Produtor Rural, que na prática era um “mercado a termo” e a pressão para a sua transformação em “mercados futuro”, com poder de transformar uma commodity em ativo financeiro.
A partir de uma descrição detalhada sobre o funcionamento do mercado agrícola, os autores apresentam o Contrato de Investimento Coletivo (CIC), criado em 1998, mistura de crédito de investimento e de comercialização, papeis estes, controlados pela Comissão de Valores Mobiliários, que nada tinha há ver com o setor agrícola. Em 1999 se cria os Pregões Eletrônicos aproximando compradores e vendedores que possuíam acesso à informação pela internet.
Como conclusão do trabalho, os autores analisam os resultados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Marketing Rural, onde fica evidenciada a utilização de crédito próprio entre 84% dos produtores rurais no período de 1998 e 1999, em contraposição à pesquisa de 1991/92 onde 37% dos produtores tinham acesso ao crédito. Ou seja, o crédito oficial foi perdendo terreno para outras fontes de financiamento de origem privada. Fica evidenciada a articulação dos segmentos agrícolas com outros segmentos à jusante do processo produtivo, ou seja, nos mercados e sub-setores das cadeias agroindustriais. Fica clara a separação da agricultura empresarial e a de base familiar, esta, amparada apenas pelos mecanismos de sustentação de caráter social, e que essa distância só tende a aumentar no futuro.

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